A Embrapa e a Privatização da “Neutralidade Científica”
Artigo de Horacio Martins de Carvalho
(Curitiba,
15 de dezembro de 2010) A onda neoliberal que vem dando sentido
hegemônico às maneiras de se conceber e mudar o mundo a partir da
perspectiva capitalista, mais fortemente desde a década de 1990,
envolveu a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa de
forma incontestável, acentuando a sua estratégica de geração de
tecnologias no sentido da artificialização da agricultura.
Essa
empresa estatal de pesquisa agropecuária tem contribuído desde a sua
constituição em abril de 1973 para a expansão e melhoria técnica
relativa da agricultura no Brasil. O volume e qualidade da maioria dos
resultados obtidos, a formação de pessoal técnico-científico, a difusão
técnica no nível dos produtores rurais e a sua expansão institucional no
âmbito da cooperação internacional a colocam como uma das instituições
mais eficientes do país e com presença respeitável nos meios
técnico-científicos mundiais.
Essa qualificação anterior, no
entanto, não a exime de responsabilidades nem de desvios
político-ideológicos que a tem induzido para resultados que são - seria
ingenuidade sugerir como involuntários, afirmadores das desigualdades
sociais no campo. A opção política estratégica de apoio
técnico-científico ao agronegócio, de efetivação de acordos de
cooperação com empresas transnacionais de caráter monopolista --- como
emblematicamente se concretizou com a Monsanto, e a aceitação e geração
de produtos da sua própria pesquisa a partir dos organismos
geneticamente modificados (OGMs), ainda que no âmbito de uma ampla
diversificação de produção tecnológica, não deixa de marcar o sentido
hegemônico da direção técnico-científica que vem adotando, ao enveredar
pelos caminhos da artificialização da agricultura em consonância com os
interesses das grandes empresas capitalistas transnacionais, sejam elas
as produtoras de insumos para a agricultura sejam aquelas que
comercializam os produtos dela obtidos.
Isso, supostamente, se
verifica no âmbito de contradições técnico-científicas internas ao corpo
técnico e administrativo da Embrapa. Mesmo assim, a concepção reinante
sobre a agricultura familiar e camponesa, iniciativas de produção que
representam a maioria dos estabelecimentos rurais no país, se mantém
como de atrelamento subalterno ao agronegócio, como se afirma no site de
sua Missão e Atuação: “(...) programas de pesquisa específicos
conseguiram organizar tecnologias e sistemas de produção para aumentar a
eficiência da agricultura familiar e incorporar pequenos produtores no
agronegócio, garantindo melhoria na sua renda e bem-estar.”
A
EMBRAPA foi constituída e se mantém suportada por recursos públicos.
Isso significa implicitamente que a sua prática de geração de
tecnologias deve (deveria), antes de tudo, estar a serviço da maioria da
população brasileira que produz no campo. Todavia, quando a direção
hegemônica da empresa abre espaço para a consolidação de acordos como o
realizado com a Monsanto desde 2005/2006, e o reafirmando em 29 de
novembro p.p. com o aporte de recursos dessa empresa transnacional ao
Fundo de Pesquisa Embrapa-Monsanto, fica mais explícito o caráter real
do sentido da produção tecnológica dessa empresa, ainda que estatal. Ela
se insere no processo governamental mais amplo de sustentação do
capital privado nacional e multinacional do agronegócio, mais
recentemente através das parcerias público-privado.
Não há
dúvida de que os acordos com empresas multinacionais como a Monsanto
apequenam a Embrapa e comprometem a relativa autonomia
técnico-científica que deveriam ter seus técnicos e administradores
perante o grande capital nacional e transnacional. Essa parceria do tipo
público-privado, como a efetuada há tempos com a Monsanto, joga o que
poderia se considerar como o melhor da história institucional da Embrapa
na vala comum da mercantilização do saber e coloca sérias interrogações
sobre o caráter que se reveste a área de cooperação técnico-científica
internacional quando esta afirma ser ‘principalmente a pesquisa em
parceria e a transferência de tecnologia’ (sic). Supostamente o que se
espera de uma empresa estatal, mesmo submetida a diferentes pressões
políticas, é que seus resultados técnicos se enquadrem como serviços
públicos. “(...) O conceito de técnica
mostra que deve ser, por necessidade, patrimônio da espécie. Sua função
consiste em ligar os homens na realização das ações construtivas comuns.
Constitui um bem humano que, por definição, não conhece barreiras ou
direitos de propriedade, porque o único proprietário dele é a humanidade
inteira. A técnica, identificada à ação do homem sobre o mundo, não
discrimina quais indivíduos dela devem se apossar, com exclusão dos
outros. Sendo o modo pelo qual se realiza e se mede o avanço do processo
de humanização, diz respeito à totalidade da espécie.”
Não
se supõe que reine na Embrapa o mito da neutralidade científica.
Todavia, não se espera por outro lado que a direção hegemônica da
empresa esteja identificada com os interesses produtivistas das empresas
privadas nacionais e transnacionais e da mercantilização da produção
tecnológica como disso é exemplo a sua parceria com a Monsanto.
Ora, essa hegemonia dos interesses do agronegócio e das empresas
transnacionais no seio da Embrapa se torna politicamente mais
comprometedora quando se expande a sua capacidade de transferência de
tecnologia para paises considerados em desenvolvimento no âmbito de uma
cooperação Sul-Sul, como o que se está implantando na cooperação com
paises da África, América Latina e Caribe. Será que já não é demais a
pressão que Banco Mundial, OMC, FMI e FAO exercem sobre esses paises em
desenvolvimento para incorporarem no seu que-fazer da produção no campo
as mercadorias e serviços denominados de ‘tecnologias para o
desenvolvimento da agricultura’, pacotes tecnológicos esses produzidos
(em parcerias) pelas empresas transnacionais de insumos? Vai então a
Embrapa, uma empresa estatal brasileira, se somar ao esforço anti-social
e anti-ecológico de artificialização da agricultura e da dependência
(neocolonial) dessas economias rurais aos interesses dos grandes
conglomerados da indústria química como Monsanto, Bayer, Basf, Syngenta,
Dow e DuPont? Sem duvida alguma que isso seria, ou já é, desolador.
“(...) Mesmo
que explicitamente não pretenda se impor como um empreendimento
totalitário, a ciência já comporta em si mesma, implicitamente, a
possibilidade de tal projeto (o sentido que ela projeta sobre o homem e o
mundo só pode ser o único possível). Seus êxitos retumbantes levam-na,
talvez inconscientemente, a impor-se como única dimensão possível do
sentido. Sua atitude fundamental diante do mundo neutraliza todas as
outras atitudes. Donde o risco de tornar-se totalizante e autoritária.”
Texto originalmente publicado no site do MST
Leia o original no site do MST
Referências:
Site da EMBRAPA. HYPERLINK
"http://www.embrapa.gov.br/a_embrapa/missao_e_atuacao"
http://www.embrapa.gov.br/a_embrapa/missao_e_atuacao (acesso 15/12/2010,
08:00 horas)
HYPERLINK "http://www.agromundo.com.br" http://www.agromundo.com.br (consulta 14 dez 2010; 09:40 horas)
Pinto, Álvaro Vieira (2005). O conceito de tecnologia, vol. I. Rio de Janeiro, Contraponto, 2v. , p. 269.
Japiassu, Hilton (1975). O mito da neutralidade científica. Rio de Janeiro, Imago Editora Ltda, p. 169.
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